Leitura de Poesia às Quartas-Feiras

A poesia da última quarta-feira foi levada por Paulo Tadeu, grande viageiro nas artes plásticas e na literatura. Ele trouxe Manoel de Barros, o grande poeta já apresentado neste blog em novembro de 2014 com a postagem Aonde eu não estou as palavras me acham. O poema trazido por Paulo veio de O livro das ignorãças:

Os deslimites da palavra

Ando muito completo de vazios.
Meu órgão de morrer me predomina.
Estou sem eternidades.
Não posso mais saber quando amanheço ontem.
Está rengo de mim o amanhecer.
Ouço o tamanho oblíquo de uma folha.
Atrás do ocaso fervem os insetos.
Enfiei o que pude dentro de um grilo o meu
destino.
Essas coisas me mudam para cisco.
A minha independência tem algemas

Após a leitura falamos sobre a grandeza dos poemas de Manoel Barros, cada palavra remete a um significante, levando-nos a fazer uma longa e particular viagem. São palavras deslizantes que nunca são o que dizem ser, quando se pensa tê-las dominado, elas nos escapam, tornam-se aladas e obrigam-nos a voar para novamente tentarmos capturá-las. Se o significante de Saussure é a representação psíquica do som tal como nossos sentidos o percebem, como poderemos alcançar o seu sentido se nunca vamos estar no mesmo lugar ao ouvi-las, se jamais seremos os mesmos ao lê-las e novos sentidos se constroem a todo instante?

Encontrei na tese de Cristiane Sampaio de Azevedo, publicada na Revista doc.Ano VIII, nº 03, A “desutilidade poética” de Manoel de Barros questão de poesia ou filosofia? , reflexões sobre a relação entre poesia e filosofia na obra do poeta.  Que fronteira poderia haver em seus poemas, ela pergunta.A autora relaciona a “desutilidade” , o “dessaber”, todos os inúmeros des que existem em seus poemas com a busca do originário, do que subverte radicalmente a linguagem para apresentar o “real”, pois é construída a partir da negação. Diz ela: Desconstruir as coisas” do seu significado mais habitual, desconstruir para construir, fazer “delirar”, como afirma o próprio poeta, o verbo, descoisificar a realidade. E quando ele descoisifica o real ele constrói uma gama de significados inexistentes.Mais adiante ela arremata essa desconstrução, essa virada pelo avesso do avesso, deslocando da realidade para a construção de novos sentidos, na busca do sentido originário com a busca filosófica que

precisa partir sempre de um não lugar, de uma realidade que ignora qualquer tipo de “pré-conceito, a fim de se chegar(?) a um conhecimento, pois a filosofia é sempre um perguntar pelas mesmas coisas, como se as coisas estivessem sempre se desfazendo de significados, como se os significados fossem sempre inatingíveis,como ”as águas de um rio que não podem ser banhadas mais de um vez, porque não podemos deter o curso de suas águas., como nos diz o famoso fragmento de Heráclito.

Sobre  O Livro das Ignorãças  Cristiane diz que a partir do próprio título ele nos remete à realidade desconhecida, ao desconhecimento prévio dos conceitos, dos significados dos sentidos. Esse desconhecimento representa, portanto,  a negação de tudo que já está estabelecido, abrindo caminho para novas construções.

Tanto quanto ou mais do que com a filosofia é a relação dos poemas de Manoel de Barros com a psicanálise. Para a psicanálise, o desejo, tal como é desdobrado pela articulação significante, se inscreve pela negatividade.  Ou seja, pelo  des, deslimites, dessaber, desfazer, desutilizar do nosso grande poeta.

Jaboatão dos Guararapes, 10 de agosto de 2015

Lourdes Rodrigues

 

 

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