Mais fragmentos de viagens do báu

 

Adelaide, nossa viageira sempre presente mesmo quando ausente,  havia enviado para o grupo um poema de Jaci Bezerra, poeta nordestino, alagoano, radicado em Pernambuco, que foi lido no Oficina. Sarmento, que também é das Alagoas, falou-nos do poeta com quem conviveu um pouco, e com a família mais ainda.

Lançado por César Leal no Suplemento Literário do Diário de Pernambuco em 1966, Jaci Bezerra publicou vários livros, assim como participou de alguns importantes movimentos literários, entre eles, A Geração 65, marco irreversível na história da cultura brasileira, segundo César Leal. Além de poeta, Jaci Bezerra é dramaturgo, entre as peças de sua autoria O Galo  e Auto da Renovação. Poeta, contista, dramaturgo, cronista, editor e animador cultural, fundou, em 1979, com alguns companheiros,  a Edições Pirata, do Recife, responsável pela publicação de mais de duas centenas de títulos de escritores brasileiros de várias gerações e tendências.

 

 

 

 

 

 

 

São alguns dos livros que publicou: Romances, Lavradouro, Livro de Olinda, Linha D’Água, Comarca da Memória, entre outros.

 

LINHA D’ÁGUA
Jaci Bezerra

Em Alagoas me achei, achando o mar,
desde então o conservo em mim, aberto,

porém nunca aprendi a soletrar
a insone cadência dos seus metros.

Talvez porque o mar, nervoso e inquieto,
no pacífico silêncio onde Deus viça,

não escreve nem repete o mesmo verso
no seu caderno de águas movediças.

Achando o mar me fiz cúmplice da beleza,
mas ao me consumir em suas chamas

soube que a alma é uma onda de incerteza
presa na cela da nossa areia humana.

Aprendi com o mar a ser constante
e a aceitar, sem pudor, as coisas frágeis:

A fazer da inconstância dos instantes
lembranças o mais possível perduráveis.

Entregue ao mar, pago ao mar o meu tributo,
e ao escutá-lo na minha humana cela,

sinto que o mar, fremindo longe e oculto,
me conta coisas que a ninguém revela.
Linha d’água,2007.

 

CANÇÃO

 

Vou plantar na varanda a minha mágoa,

e espero, assim, que a vida a mim esqueça.

Fluídico e sereno como as águas

deixem, vocês, que eu me desapareça.

Vou partir depois disso, prontos tenho

o passaporte e a blusa de emigrante.

Deixem vocês, eu parto como venho

para ser outra vez o que fui antes,

As lágrimas ardendo são estrelas

cintilando no fundo de outro poço.

Vocês não se debrucem para vê-las

que, nelas, acharão só meus destroços

(a canção que inventei de ouvido, inteira,

e as rosas florescendo nos meus ossos).

Não procurem saber dos meus intentos,

peço como um favor, ninguém me ouça,

pois rosário já vem tangendo os ventos

e apaziguando a minha carne moça,

vem molhada de luz, vem sem lamentos,

trazendo um lírio em suas mãos de louça.

Já é chegada a hora da partida,

No meu bolso soluça o coração,

por isso, não liguem muito à vida

que para olhar e ver, trago na mão.

Nem olhem, se ainda me veem, para a ferida

que expõe, aberta, a minha solidão.

Parto rendido e entregue aos meus afetos,

e amigos que não tenho, não terei.

Matei as sempre-vivas do deserto

recusando as canções que não criei.

E descobri, sentindo o amor tão perto,

que nada sou do sonho que inventei.

Depois dos poemas de Jaci Bezerra foi lido um conto incrível de Cortázar levado por mim, por sugestão de Luzia. Sempre estamos velejando pelos mares do escritor argentino por eles nos instigarem a ver além do seu conteúdo formal, por nos permitirem enveredar pela  magia e fantasia, pelo fantástico e mistério. São passagens que nos conduzem a veredas densas, de complexa travessia. As Babas do Diabo permitiu-nos muita discussão, numa bela esgrima entre o que cada um levou de seu nessa viagem, fazendo o seu próprio percurso e o que a narrativa oferecia concretamente. Certamente novas releituras serão feitas, assim como resenhas, resumos, análises.

Jaboatão dos Guararapes, maio de 2017

Lourdes Rodrigues

 

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