Encontrei o escritor Affonso Romano de Sant’Anna, no final de setembro último, numa feira de livros – FENELIVRO – no Centro de Convenções. Como autor convidado, ele veio lançar seu último livro: “entre leitor e autor”
e fazer palestra sobre o mesmo. De forma descontraída e simples, ele disse que o livro era autobiográfico e, nele, ele discorria sobre sua trajetória para conseguir ser um escritor, sua viagem, buscas, percalços vivenciados nesse caminho. Na ocasião, também estava à venda seu livro de poesia: “Sísifo desce a montanha”
. Adquiri os dois e transcrevi algumas poesias para nosso blog.
OSTRA
Estou num trabalho de ostra.
A areia entrou-me na concha
na carne.
Sangro.
Mas não se vê. O mar é grande
e a pérola
é pequena
embora reluza
como um poema.
ONDE ESTÃO?
Onde estão estes
que ao nosso lado
parecem vivos
e são tão
televisivos?
_Onde estão?
Estão todos vivendo
Morrendo
Cheios de adjetivos.
Onde estão esses
que ao nosso lado
parecem tão produtivos
esportivos
e cheios de adesivos?
_Onde estão?
Estão todos vivendo
Morrendo
Comercialmente
Ativos.
Onde estão estes
que ao nosso lado
parecem tão livres
e atrativos
com seus dentes
e risos?
Onde estão?
Estão todos vivendo
morrendo
prosaicamente
cativos.
Onde estão esses
que ao nosso lado
parecem tão passivos
com ar silencioso
e corrosivo?
Onde estão?
Estão apenas vivendo
morrendo
como sub ser vivos.
AGENDA
Toda manhã
anoto uma lista
de coisas por fazer:
contas a pagar
cartas, e-mails, telefonemas
carinhos que responder
livros, palestras, entrevistas
ginástica, compras
remédios, terra, flores
consertos domésticos
desculpas, culpas
livros que ler
e escrever.
Olho o que arquivo:
– o ontem só cresce
Não há pasta
que o contenha.
Melhor seria dissolvê-lo
ignorá-lo, sem etiqueta
sem tentar decodifica-lo
entendê-lo.
Vai começar a girândola
de um novo dia.
Ponho o sol na alma
vejo da janela
– a lagoa e o mar.
Olho o presente, o futuro.
Mas o passado, que não passa
como agendar?
GERAÇÕES 1
Partiam para a utopia
como se utopia
pudesse ser habitada.
Se equivocavam.
A utopia
não é ponto de chegada
é a partida
alucinada.
Colonizar a utopia
é negá-la.
Tanto mais é plena
quanto mais
se faz de nada.
GERAÇÕES 2
Cada manhã
Anoto vestígios dos que se foram.
O que íamos fazer nesta cidade?
Por que nos agrupávamos na praça?
Um vigiava a Torre
Outro, na Montanha, ia à caça
e havia quem, contando estórias
calmamente fiava
e desfiava
– nossa ânsia.
Olho as pedras dos monumentos
e os poemas, que se esboroam.
Em algum momento
– fomos eternos.
A morte despovoa meu presente
E torna denso o meu passado.
ALÉM DE MIM
Não é culpa minha
se não estou aparelhado
para entender certos conceitos
e sinais
Conheço o ódio, o amor, a fome
A ingratidão e a esperança.
(Deus, a eternidade, o átomo e a bactéria
Me excedem)
O que não significa
Que os ignore.
Ao contrário:
por não compreendê-los
finjo estar calmo
– e desespero.
Recife, 20 de outubro de 2015
*Maria Salomé C. Barros
*Psicóloga, cronista, cordelista.