A LIÇÃO DO MESTRE: ARTE E VIDA


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 A LIÇÃO DO MESTRE: ARTE E VIDA

*Cacilda Portela

A novela gira em torno das disposições contrárias entre a arte e a vida. Do conflito interior de um escritor  de meia idade, cuja obra não tem mais a força dos seus primeiros livros. A Lição do Mestre cria um clima de  mistério e expectativa que organiza os fatos do enredo, que nem sempre são ações concretas, mas movimentos internos dos personagens.

Tem início em uma mansão senhorial do séc. XIX, em Londres, onde estão presentes alguns convidados, entre eles o sr. Henry St. George, sua esposa, Paul Overt e a srta. Marian. As afinidades intelectuais fazem a aproximação entre St. George, o jovem escritor e a srta.Marian.

O sr. Henry St. George, escritor de renome, passa por sentimentos de fuga e incertezas com relação a sua arte, acusada por críticos de um certo artificialismo e uma ambiguidade insondável no tratamento dos temas. Sua esposa, autoritária, administra e disciplina os negócios e a vida particular do marido. Ligada a convenções sociais, cobra do marido a realização de outras obras. Não se interessa pela perfeição na arte. O casal é amigo da jovem Marian, natural e  independente, adora a vida e é uma grande apreciadora das artes. St.George dedica carinhos excessivos à jovem com a complacência da esposa.

Na mansão, St. George conhece, pessoalmente, o jovem e promissor escritor Paul Overt, que passou grande parte de sua vida no estrangeiro, tendo voltado recentemente à Inglaterra. E o  jovem escritor conhece Marian. Juntos eles visitam galerias de arte e exposições privadas;  discutem o elevado tema da obra de arte válida e exemplar, e o escritor se apaixona por ela.

Depois de ter lido uma pequena parte da obra do jovem escritor, St. George vai até ele e afirma que o jovem é mesmo surpreendentemente bom; e que precisa realmente manter o nível como escritor. Confessa ao jovem seus sentimentos, medos e anseios e lhe apresenta sua Lição de Mestre: “…Não se transforme  no que me transformei na velhice: o exemplo de quem cultuou os deuses do mercado, dinheiro, luxo, a sociedade, a mulher, os filhos… A!h! as coisas mesquinhas que nos obrigam a fazer. Uma perdição do ponto de vista da arte. O artista nada tem a ver com o relativo, deve ter afinidade apenas com o absoluto. Não poderá fazer alguma coisa realmente boa sem sacrifício.  Fazer algo, e algo que seja divino é a única coisa em que o artista tem que pensar”. Ou desistir da ideia de perfeição. Paul responde “não; eu sou um artista – não há como evitar”.

Uma semana depois da Lição do Mestre, Paul Overt parte da Inglaterra. Antes, faz uma visita a srta. Marian para se despedir; e mais de três meses depois escreve e observa que lhe devia uma explicação por não lhe haver revelado o que pretendia fazer. A srta. Marian responde com uma carta curta, mas que veio sem tardar, e dava conhecimento da morte da sra. St. George. Tuberculosa, ela veio a falecer poucos meses depois daquele encontro na mansão. Dois anos depois, quando termina de escrever o livro, Paul Overt retorna a Londres e procura a srta. Marian. Ela e  o St George estão de casamento marcado.

Qual teria sido a real intenção da Lição do Mestre?  O objetivo de proteger o jovem romancista para construção de uma arte perfeita, absoluta, infinita; um padrão a ser seguido? A arte como algo de si mesmo que o velho mestre valoriza de forma constante e intensa. Sua real identidade. Sua face reflete a ideia e o sentimento da arte. Ou seria um plano oculto para afastar o romancista e ficar livre para casar com a  Srta. Marian? Sua face revela uma identidade mascarada, contrária aos seus traços, que apenas deixa aparecer o eu idealizado socialmente. Uma imagem do sucesso, das recompensas materiais e da credibilidade social da literatura. Valorização da identidade mascarada em relação ao eu.

Estaria o Mestre realmente livre quando deu sua Lição ao jovem romancista?  Não saberemos ao certo. Não estariam em conflito o eu e o ser social? A própria subjetividade, “experiências de vida sintetizadas: emoções, sentimentos, memória inconsciente de todo o vivido relacional”, que ele demonstra na Lição é controlada pelo social.  O sentimento e a ideia da arte perfeita são controlados por forças sociais e, em seguida, se mascaram. Não estão livres do controle social. O sentido que ele atribui à arte perfeita é formado por uma concepção individual e coletiva de difícil percepção que necessita de minuciosa análise, nem sempre possível, para ser entendida.

* Cacilda Portela é advogada, pesquisadora social, ensaísta.

2 ideias sobre “ A LIÇÃO DO MESTRE: ARTE E VIDA

  1. Amiga Cacilda
    Nas suas cronicas ate parece que, semelhante a Henry James, você busca os caminhos de “uma arte perfeita”! Alguém que lê, sente e revela o seu sentimento,
    demonstra o quanto isto lhe enche de prazer. Espero continuar lendo suas cronicas, principalmente porque, ajuda a uma maior compreensão desta paixão que também me envolve:LER

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