Registro de nosso encontro em 15 de fevereiro de 2017
por Juan Rulfo, digo, Gratuliano.
Vim a oficina porque me disseram que aqui vivia uma musa, uma tal de literatura. Minha amiga me disse.
Aquele era o tempo do verão, quando o ar de fevereiro sopra quente, envenenado pelo odor apodrecido dos esgotos do Recife. No portão Lu me recebeu com seu cordial boa tarde. Estou aqui esperando dona Lurdinha, para ajudar com as sacolas. Ela vem sempre tão carregada. A porta está aberta. Pode entrar.
Agora eu estava aqui, nesta sala ainda sem os risos. Ouvia meus passos caírem sobre a cerâmica que empedrava o chão. Meus passos ocos, repetindo seu som no eco das paredes tingidas pelo cartazes de seminários do Traço.
Naquela hora, fui andando para o meu lugar. Olhei as cadeiras vazias; apenas quatro estavam ocupadas: Everaldo, Eleta, Cacilda e Salete. Uma bolsa feminina indicava que mais alguém estaria por ali e não tardou para que Anita aparecesse com sua elegância habitual.
Lourdes telefonou nos autorizando a começar a leitura das poesias. Como era mesmo o nome daquele fulano que Eleta nos apresentou? Walt Whitman! Sim, esse senhor um tanto barbudo, que bem poderia ser Pedro Páramo…
Walt Whitman (Huntington, 31 de maio de 1819 – Camden, 26 de março de 1892) foi um poeta, ensaísta e jornalista norte-americano, considerado por muitos como o “pai do verso livre”. Paulo Leminski o considerava o grande poeta da Revolução americana, como Maiakovsky seria o grande poeta da Revolução russa.
Eleta fez uma bela introdução sobre o escritor. E lemos dois poemas curtos:
A um Estranho
Estranho que passa! você não sabe com quanta saudade eu lhe olho,
Você deve ser aquele a quem procuro, ou aquela a quem procuro, (isso me vem, como em um sonho,)
Vivi com certeza uma vida alegre com você em algum lugar,
Tudo é relembrado neste relance, fluído, afeiçoado, casto, maduro,
Você cresceu comigo, foi um menino comigo, ou uma menina comigo,
Eu comi com você e dormi com você – seu corpo se tornou não apenas seu, nem deixou o meu corpo somente meu,
Você me deu o prazer de seus olhos, rosto, carne, enquanto passamos – você tomou de minha barba, peito, mãos, em retorno,
Eu não devo falar com você – devo pensar em você quando sentar-me sozinho, ou acordar sozinho à noite,
Eu devo esperar – não duvido que lhe reencontrarei,
Eu devo garantir que não irei lhe perder.
To a Stranger
Passing stranger! you do not know how longingly I look upon you,
You must be he I was seeking, or she I was seeking, (it comes to me, as of a dream,)
I have somewhere surely lived a life of joy with you,
All is recall’d as we flit by each other, fluid, affectionate, chaste, matured,
You grew up with me, were a boy with me, or a girl with me,
I ate with you, and slept with you—your body has become not yours only, nor left my body mine only,
You give me the pleasure of your eyes, face, flesh, as we pass—you take of my beard, breast, hands, in return,
I am not to speak to you—I am to think of you when I sit alone, or wake at night alone,
I am to wait—I do not doubt I am to meet you again,
I am to see to it that I do not lose you.
A Você
Estranho! se, ao passar, você me encontrar e desejar falar comigo, por que não falar comigo?
E por que eu não falaria com você?
To You
Stranger! if you, passing, meet me, and desire to speak to me, why should you not speak to me?
And why should I not speak to you?
Chegaram nesse meio tempo, Saló, Lourdes e Luzia carregando a tal bagagem que Lu estava esperado para ajudar.
Dando continuidade ao Momento Poetico, Anita lembrou que o Riso, tema dos nossos trabalhos este ano, também faz poesia e leu o Poema Matuto, Eu e Maria:
POEMA MATUTO
*DO LIVRO ‘CANTIGAS QUE VÊM DA TERRA”
EU E MARIA
Nasci no sítio Belém
Lá nasci e me criei
E desde novo eu jurei
De num casar com ninguém
Por arte num sei de quem
Com Maria me encrontei
Quebrei tudo que jurei
Passei dois mês namorano
Passei três me ajeitano
Com quatro mês me casei
Me casei com muita fé
Mas pro pintura do diacho
Lá perto morava um macho
Inludidô de muié
Um tal de Joca Romeu
E esse um dia apareceu
No rancho que nós vivia
Com um jeitão muito estranho
Um oiá desse tamanho
Reparando pra Maria
Depois de um mês de casado
Eu notei que tinha um sócio
Ela inventou um negócio
De nós drumir apartado
Inventava um bucho inchado
Dô de cabeça e de ouvido
Um tal de corpo doído
Umas fireira no pé…
Essas manha de muié
Que quer dexá o marido
Eu só vivia dizeno:
Talvez nunca me acostume
Eu morrendo de ciúme
E os amô dela cresceno
Sempre aquelas coisa, eu veno
Ela toda diferente
Ele metido a valente
E pra terminar a novela
Tratou de vim buscá ela
Na outra noite da frente
Inda vi eles sainno
Ele perguntou por mim
Ela arrespondeu assim:
O bestaião tá drumino
Eu aquelas coisa ouvino
Fui me levantei também
Ela dizia: Ele vem
Mas num vá temê acocho
Que aquele meu véi é frôxo
Nunca brigou com ninguém
Isso era de madrugada
Quaje amanheceno o dia
Quando eu oiei, eles ia
Já descambando a chapada
Larguei os pés na estrada
Pra ver se ela me atendia
Gritava: Vem cá, Maria
Vorta pronde tu morava!
Mas quato mais eu gritava
Mais a danada corria
Mas sabe o que aconteceu
Com a vida de nós dois?
Com uns dez anos depois
Maria me apareceu
Deixou o Joca Romeu
Voltou toda diferente
Com oito fios na frente
Uns com tosse, outros com gogo
E eu tenho comido é fogo
Pra sustentar tanta gente
*Lançado em 2002 por Geraldo Amâncio e Wanderley Pereira
Após os poemas contamos algumas piadas, rimos muito, mas a coordenadora colocou ordem na casa. Fizemos uma rápida reprogramação da agenda e deixamos a leitura de As Preciosos Ridículas para o próximo encontro.
Lemos um conto de humor, O homem que nem é dental, de João Gratuliano (estranho falar de si mesmo na terceira pessoa) e depois lemos Ele? de Guy de Maupassant. Júnior fez ótimas pontuações sobre a doença que afligiu Guy.
Salete comentou sobre a sessão de leitura do livro de Anita e comentou que pelo prefácio havia descoberto um João Gratuliano menos irônico e mais romântico. E me desafiou a mostrar esse lado. Então eu aproveitei que a audiência estava pequena. Everaldo e Saló já tinham vazado, e li um do meu vasto repertório de três ou quatro poemas meu.
Assim nos despedimos no clima habitual de alegria entre os leitores e escritores de boa vontade. Fomos em paz e que Clarice nos acompanhe.
Juan Rulfo? muito prazer, é o duplo? gostei! mas faltou o poema lido.